A traça-dos-cereais (Sitotroga cerealella) é uma praga amplamente temida por agricultores, comerciantes e indústrias que dependem do armazenamento de grãos como milho, trigo, arroz, cevada e outros. Embora pequena em tamanho, a magnitude de seus impactos é alarmante. Capaz de causar prejuízos severos tanto em termos de qualidade quanto de quantidade, a infestação dessa praga pode comprometer seriamente a viabilidade econômica de estoques agrícolas, e a necessidade de controle eficiente é um desafio constante.
O Brasil, como terceiro maior produtor mundial de milho, é particularmente vulnerável aos danos causados pela traça-dos-cereais. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que a safra de 2023/2024 deverá atingir a marca de 298,41 milhões de toneladas, a segunda maior da história. No entanto, sem práticas adequadas de controle, uma parte significativa dessa produção pode ser comprometida.
Estudos realizados pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 2016 revelaram que, em condições de armazenamento inadequadas, a traça pode causar perdas de até 17% do peso dos grãos de milho em apenas 70 dias. Essa redução não só afeta a quantidade disponível para comercialização, mas também deprecia a qualidade do produto, resultando em queda no valor de mercado e prejuízos econômicos consideráveis.
Além disso, o ambiente de armazenamento, quando mal gerido, cria condições ideais para a proliferação da praga. Fatores como altas temperaturas (cerca de 30°C) e umidade relativa em torno de 75% favorecem o rápido desenvolvimento da traça, ampliando os danos em um curto período de tempo.
Ciclo de vida da praga
O ciclo de vida da traça-dos-cereais é curto, mas altamente eficiente em termos de reprodução. Cada fêmea pode depositar até 100 ovos diretamente sobre os grãos, tanto no campo quanto durante o armazenamento. Após a eclosão, as larvas penetram no interior dos grãos, onde se alimentam e se desenvolvem, tornando os danos invisíveis a olho nu nas fases iniciais da infestação.
A fase adulta, por outro lado, é limitada à superfície dos grãos, já que os insetos não possuem capacidade de penetrar na estrutura interna. Contudo, mesmo com uma vida útil de apenas sete dias, os adultos são capazes de perpetuar o ciclo de infestação, mantendo os estoques sob constante ameaça.
Esse padrão de comportamento torna a detecção precoce um grande desafio, especialmente porque os danos internos só se tornam visíveis quando a infestação já está avançada.
Além da traça-dos-cereais, outras pragas comuns que podem afetar o armazenamento de grãos incluem:
- Gorgulho-do-milho (Sitophilus zeamais): Esse inseto ataca diretamente os grãos, perfurando-os e se alimentando do interior. Pode causar perdas significativas, especialmente em milho armazenado.
- Besouro-do-grão (Tribolium spp.): Uma praga que se alimenta dos grãos, principalmente em condições de alta umidade e temperaturas elevadas no armazenamento.
- Traça-das-farinhas (Plodia interpunctella): Outra espécie de traça que infesta grãos armazenados, especialmente trigo, arroz e outros cereais.
- Brocas-dos-grãos (Rhyzopertha dominica): Insetos que perfuram e se alimentam da parte interna dos grãos, causando perdas de peso e qualidade.
- Ácaros de armazenamento (Acarus siro, Tyrophagus putrescentiae): Pequenos ácaros que se proliferam em ambientes com alta umidade, danificando e contaminando os grãos.
Essas pragas podem se desenvolver rapidamente em condições favoráveis de temperatura, umidade e ventilação inadequada nos locais de armazenamento. O monitoramento constante e a adoção de medidas preventivas, como a higienização dos silos e o uso de inseticidas registrados, são fundamentais para evitar danos e perdas durante o armazenamento de grãos.
Prevenção: A melhor estratégia para evitar prejuízos
A prevenção é a abordagem mais eficaz para minimizar os impactos da traça-dos-cereais. Especialistas destacam que a higienização adequada das instalações de armazenamento é essencial. Fábio Kagi, gerente de Assuntos Regulatórios do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg), ressalta a importância de medidas preventivas rigorosas.
“A limpeza e higienização dos silos e outros locais de armazenamento são etapas críticas. É fundamental remover qualquer resíduo ou foco de praga antes do armazenamento dos grãos. Esse processo pode ser complementado com a lavagem de alta pressão e o uso de inseticidas de longa duração, sempre seguindo as orientações da bula para garantir a segurança e a qualidade dos grãos”, explica Kagi.
Além disso, a manutenção de condições ambientais desfavoráveis ao desenvolvimento da praga, como o controle da umidade e da temperatura, é uma prática recomendada para reduzir os riscos de infestação.
Combate eficaz: O papel dos fumigantes no controle da infestação
Quando a infestação já está instalada, o uso de fumigantes é uma das soluções mais eficazes disponíveis. Fumigantes são produtos químicos que liberam gases letais capazes de penetrar profundamente nos grãos e eliminar os insetos em todas as fases de desenvolvimento, desde as larvas até os adultos.
Segundo Kagi, o sucesso desse método depende de uma aplicação cuidadosa. “Os grãos precisam estar completamente vedados no local de armazenamento para evitar a dispersão do gás. O período de exposição deve ser de no mínimo sete dias, seguindo rigorosamente as dosagens indicadas pelo fabricante. Uma das vantagens dos fumigantes é que eles não deixam resíduos após a dissipação do gás, preservando a qualidade do produto armazenado”, afirma.
A importância de estratégias integradas e contínuas
O controle da traça-dos-cereais não deve ser tratado como uma ação pontual, mas como parte de uma estratégia integrada de manejo. Isso inclui desde a escolha de sementes resistentes no campo até a implementação de práticas de armazenamento seguras e a aplicação de tecnologias modernas para monitoramento de pragas.
A conscientização sobre os riscos e a adoção de práticas preventivas são fundamentais para proteger a produção agrícola nacional, que desempenha um papel estratégico na economia brasileira e global. Apenas com um esforço conjunto entre produtores, pesquisadores e especialistas será possível minimizar os impactos da praga e garantir a segurança alimentar no longo prazo.
A traça-dos-cereais é uma ameaça silenciosa, mas altamente destrutiva, que exige atenção redobrada em todas as etapas da cadeia produtiva. Desde o campo até o armazenamento, práticas preventivas e medidas de combate eficazes são essenciais para proteger a quantidade e a qualidade dos grãos produzidos no Brasil. Com a implementação de estratégias integradas, é possível mitigar os prejuízos e garantir o sucesso da produção agrícola, fortalecendo o papel do país como um dos principais fornecedores de alimentos no cenário global.