Pouco mais de 30% dos solos brasileiros possuem potencial natural considerado bom ou muito bom para o desenvolvimento agrícola, de acordo com o Mapa de Potencialidade Agrícola Natural das Terras do Brasil, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que, entre mais de 500 tipos de solo identificados no país, uma grande maioria precisa de manejo e tecnologia para alcançar níveis satisfatórios de produtividade. É nesse cenário que iniciativas voltadas à conservação e ao uso inteligente dos recursos naturais ganham destaque.
Em Hidrolândia, cidade da região metropolitana de Goiânia (GO), um exemplo prático e inovador vem mostrando que é possível multiplicar o potencial do solo com uso racional da água e reciclagem de resíduos. Um sistema de reaproveitamento de biomassa líquida, aliado à fertirrigação com água tratada, está beneficiando pecuaristas da região, melhorando a qualidade das pastagens, aumentando a lotação bovina e reduzindo a dependência de ração industrializada — tudo com base em uma prática sustentável e contínua.
A transformação começou com a criação de uma Estação de Tratamento de Efluentes (ETE), que hoje purifica a água em mais de 90%. Durante esse processo, um resíduo orgânico de alta densidade passou a ser separado: trata-se de uma biomassa rica em proteínas, macro e micronutrientes que, quando aplicada ao solo, melhora significativamente as condições para o crescimento do capim.
Segundo o diretor Vinícius Junqueira, responsável técnico pelos projetos do laticínio, esse material representa uma fonte valiosa de adubo orgânico. “Essa biomassa é muito rica em matéria orgânica, além de conter elementos essenciais para o desenvolvimento do solo e das plantas. Por mês, conseguimos gerar cerca de 300 toneladas desse material, que são destinadas a propriedades vizinhas cadastradas e com análise de solo prévia”, explica.
Um dos pecuaristas beneficiados é Emerson Oliveira, que há anos vive da produção leiteira na região. Ele relata os efeitos práticos no dia a dia da fazenda. “Desde que comecei a jogar a biomassa no capim, passei a colocar mais gado no espaço e diminui a necessidade de ração”, conta. “O capim cresceu mais forte e consistente. Hoje, a pastagem aguenta muito mais cabeças de gado do que antes.”
Além da biomassa, outra tecnologia foi implementada para aproveitar a água já tratada na ETE. Desde 2021, a água que antes era lançada no Córrego Grimpas passou a ser redirecionada para um sistema de fertirrigação. Instalado em uma área de 160 mil m² de pasto, o sistema conta com cerca de 600 aspersores que jorram 75 mil litros de água por hora — totalizando 1 milhão de litros de reuso a cada 12 horas. A estrutura é abastecida por três bombas que empurram a água por quase um quilômetro de tubulação até alcançar os pontos de irrigação.
O manejo rotativo foi outro fator-chave para os resultados alcançados. “Dividimos o pasto em piquetes e com isso conseguimos aumentar a produtividade em cinco vezes”, afirma Vinícius. “Com esse sistema, o pasto permanece verde o ano todo, independentemente das chuvas. Isso traz uma estabilidade produtiva importante para quem trabalha com gado de corte e leite.”
O projeto também tem impacto ambiental positivo, como explica a bióloga Daniela Souza Silva, consultora que participou da implantação do sistema. “Além de alimentar a pastagem, parte dessa água retorna para o lençol freático, contribuindo para a recarga dos aquíferos subterrâneos. Isso ajuda a manter a disponibilidade hídrica da região e reduz a pressão sobre rios e córregos próximos”, detalha.
Com base nesses dois pilares — o reaproveitamento da biomassa como adubo e a fertirrigação com água tratada — o projeto recebeu, em 2021, o reconhecimento do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO). Foi premiado com o primeiro lugar na categoria Elementos Naturais da 19ª edição do Troféu Seriema, uma premiação nacional que valoriza ações inovadoras em sustentabilidade ambiental.
Para Vinícius, mais do que o reconhecimento, o projeto aponta caminhos para uma mudança de cultura na relação entre indústria, água e solo. “A conservação do solo não é uma escolha: é uma necessidade. Com investimento em inovação e empenho técnico, conseguimos devolver água ao lençol freático, manter pastos produtivos e ainda gerar ganhos sociais para os produtores rurais do entorno. É um modelo que pode, sim, ser replicado por outras indústrias nos próximos anos.”
Enquanto o Brasil celebra uma data dedicada à preservação do solo, experiências como a de Hidrolândia mostram que, mesmo em solos com potencial natural limitado, é possível colher abundância — desde que haja tecnologia, consciência e respeito à terra. E que cada gota, cada grama de resíduo, possa ser reaproveitada com inteligência e compromisso com o futuro.