O impacto das queimadas no solo e sua capacidade de recuperação foram temas centrais de um estudo inédito conduzido por pesquisadores da área de microbiologia e ciência do solo, em parceria com especialistas em sustentabilidade agrícola. A pesquisa, realizada em Montividiu (GO), analisou o microbioma do solo após um incêndio ocorrido em setembro de 2024, utilizando a metagenômica, uma metodologia inovadora que permite mapear e compreender a composição microbiana do solo com precisão.
Os primeiros resultados, apresentados em uma transmissão ao vivo no Canal PodSolos, apontaram que, apesar das queimadas afetarem a biomassa microbiana e o quociente metabólico do solo, a estrutura microbiana demonstrou uma notável capacidade de resiliência. Segundo Vânia Pankievicz, especialista em microbiologia do solo, essa descoberta reforça a importância de um manejo contínuo e voltado à agricultura regenerativa. “Comprovamos que práticas sustentáveis auxiliam na recuperação rápida das áreas afetadas, minimizando impactos negativos a longo prazo”, destaca.
Mapeamento genético do solo: uma análise detalhada
Batizado de Projeto Queimadas, o estudo consistiu na coleta e análise de amostras de solo em diferentes estágios da lavoura: cobertura do solo, pré-plantio, semeadura, florescimento, colheita e pós-colheita da soja, concluída entre janeiro e fevereiro de 2025. “Utilizamos ferramentas de bioinformática avançadas para mapear fungos e bactérias em áreas atingidas e não atingidas pelo fogo, permitindo uma comparação detalhada”, explica Pankievicz.
A pesquisa também contou com a contribuição de Rodrigo Mendes, pesquisador em microbiologia do solo, que compartilhou estudos realizados em laboratório sobre o impacto do calor na microbiota do solo. Em 2016, Mendes aqueceu o solo a 80°C por 30 minutos, sem chama direta, para avaliar o efeito do aquecimento na comunidade microbiana. “Observamos que microrganismos benéficos foram eliminados, comprometendo a capacidade do solo de suprimir doenças. No caso da Fazenda Tropical, a recuperação rápida está relacionada à estabilidade do microbioma”, analisa Mendes.
Sustentabilidade como ferramenta de resiliência
Os resultados obtidos pelo estudo reforçam a importância de práticas agrícolas sustentáveis. Erick Van Den Broek, produtor rural, explica que o manejo adotado na propriedade foi essencial para a resiliência do solo. “Investimos há anos em plantas de cobertura, rotação de culturas e mix de espécies, o que fortaleceu o solo para resistir e se recuperar rapidamente de eventos extremos”, afirma.
A pesquisa também identificou um aumento na produtividade das áreas afetadas, registrando um ganho de até 12 sacas por hectare na safra atual de soja. Bruna Souza, engenheira agrônoma, enfatiza que esse crescimento é um reflexo do manejo adequado. “O solo bem estruturado tem maior capacidade de resistência e recuperação. Contudo, é importante destacar que, em nenhuma hipótese, a queima pode ser considerada uma estratégia para aumento de produtividade”, alerta Souza.
Daniel Mol, engenheiro agrônomo especializado em solos, destaca ainda que a seca prolongada antes das queimadas influenciou na resposta do solo. “A menor vulnerabilidade do microbioma pode ser atribuída ao equilíbrio preexistente do solo, que favoreceu sua recuperação”, explica.
Monitoramento contínuo e tecnologia na recuperação do solo
A análise metagenômica revelou-se uma ferramenta essencial para entender as alterações na microbiota do solo e possibilitar a criação de estratégias de manejo sustentáveis. Segundo Vânia Pankievicz, esse monitoramento é fundamental para evitar prejuízos futuros. “Acompanharemos as áreas afetadas durante a safrinha para compreender os efeitos a longo prazo. O uso de tecnologias como a metagenômica é um caminho promissor para tornar os sistemas agrícolas mais resilientes”, conclui.
O estudo reforça a necessidade de um manejo eficiente e da adoção de práticas regenerativas, garantindo a produtividade e a sustentabilidade do solo frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas.