Tapauá, localizado no coração da Amazônia, é um exemplo de resiliência em meio às crescentes pressões sobre a floresta. Quinto maior município do Brasil em extensão, situado no sul do Amazonas, Tapauá é uma “ilha de resistência” em uma das principais fronteiras do desmatamento. Abrigando vastas áreas protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, o município está no centro de iniciativas que conciliam conservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
Desde 2020, o projeto Governança Socioambiental Tapauá, liderado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) com financiamento da Rainforest Association, tem fortalecido comunidades locais para conter o desmatamento e promover a bioeconomia. Entre 2022 e 2023, o desmatamento no município diminuiu 9%, passando de 333 hectares para 304 hectares. Na Floresta Estadual de Tapauá (FES Tapauá), uma das áreas mais pressionadas, a queda foi ainda mais expressiva: 77% no mesmo período.
Mulheres e jovens na linha de frente
O sucesso do projeto é sustentado pelo engajamento de jovens e mulheres em atividades que conectam sustentabilidade e geração de renda. A Associação das Mulheres Indígenas Artesãs de Tapauá (Amiata) é um exemplo de protagonismo feminino. Composta por 20 mulheres diretamente envolvidas e que representam mais de 30 comunidades indígenas, a Amiata vem resgatando tradições culturais por meio do artesanato e da produção sustentável.
“A ideia é ir além dos balaios, cestos e abanos tradicionais. Queremos explorar novas técnicas e materiais da biodiversidade para gerar maior valor e autonomia às mulheres”, explica Sandra Batista, vice-presidente da associação e indígena Apurinã. Com apoio do Fundo Casa e do projeto Idesam, as artesãs já conquistaram a emissão da Carteira Nacional do Artesão para 18 integrantes, um marco para o reconhecimento formal da produção.
Além disso, jovens indígenas Apurinã foram capacitados em tecnologias de monitoramento territorial. Por meio de aplicativos e drones, eles identificam queimadas, exploração ilegal de madeira e outros riscos em suas terras. “O uso dessas ferramentas é essencial para defender nossos territórios e fortalecer nossa organização”, afirma Sandra.
Bioeconomia: Um caminho sustentável para Tapauá
A potencialização de cadeias produtivas sustentáveis é outra frente estratégica do projeto. As comunidades locais foram capacitadas para trabalhar com produtos da sociobiodiversidade, como óleo de copaíba, mel de abelhas sem ferrão e açaí de extrativismo. Contudo, apesar do alto valor agregado desses produtos, desafios logísticos e a falta de infraestrutura limitam o alcance comercial.
“Na FES Tapauá, existe uma enorme riqueza de castanha, breu e outros produtos florestais com demanda para indústrias. Mas, sem compradores e infraestrutura adequada, o potencial fica parado”, explica Firmiano Silva, vice-presidente da Associação Agroextrativista dos Moradores da Floresta Estadual de Tapauá (Aamfet).
Mesmo com limitações, avanços importantes foram alcançados. Em 2023, duas vendas de óleo de copaíba foram realizadas pela Aldeia Trevo, em parceria com a Aspacs, uma organização comunitária de Lábrea (AM). Esses resultados mostram que o fortalecimento de redes comunitárias é essencial para destravar o potencial econômico da bioeconomia.
Infraestrutura e desafios
Tapauá está inserido na área de influência da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, e da projetada AM-366, que conectará o município à rodovia principal. Ambas são alvos de controvérsia devido ao impacto ambiental que podem causar, incluindo o aumento do desmatamento e a degradação de terras indígenas e Unidades de Conservação.
“Hoje já enfrentamos pressões de grileiros, estradas vicinais abertas ilegalmente e a exploração predatória de madeira. Essas rodovias intensificam os riscos em uma área já vulnerável”, alerta Fernanda Meirelles, coordenadora do projeto no Idesam. Apesar das controvérsias, a região segue como um foco de inovação em governança socioambiental, com esforços para unir conservação e desenvolvimento sustentável.
Autonomia e conservação
As ações do Idesam já beneficiaram mais de 170 famílias em Tapauá, abrangendo capacitação, gestão comunitária e maior acesso a políticas públicas. As associações comunitárias, revitalizadas pelo projeto, agora têm voz ativa no Conselho Municipal de Meio Ambiente, participando de agendas voltadas à agricultura familiar e ao uso sustentável da floresta.
“Fortalecer as organizações locais é crucial para enfrentar os desafios do desmatamento e garantir a autonomia das comunidades. Essa é a base de um modelo de desenvolvimento que respeita a biodiversidade e valoriza a cultura local”, destaca Thiago Franco, analista do Idesam.
Com avanços na gestão territorial, inclusão social e bioeconomia, Tapauá desponta como um exemplo de resistência em meio à complexidade da Amazônia. A experiência do município demonstra que a união de estratégias comunitárias, apoio técnico e políticas públicas é capaz de transformar realidades e oferecer um caminho sustentável para a região.