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MATÉRIA ORGÂNICA NO SOLO É ALIADA DO PRODUTOR CONTRA A ESCASSEZ HÍDRICA

Compostos orgânicos derivados de resíduos avícolas melhoram a estrutura do solo, aumentam a retenção de água e tornam as lavouras mais resilientes em tempos de estiagem, apontam especialistas em manejo e conservação do solo
Matéria orgânica incorporada ao solo melhora retenção de água e fortalece a lavoura em períodos secos. Foto: Divulgação.

A crise hídrica é uma das grandes ameaças ao futuro da produção agrícola no Brasil e no mundo. Frente a esse cenário, pesquisadores e profissionais do setor defendem com ênfase o uso da matéria orgânica como ferramenta estratégica de adaptação e resiliência no campo. A ciência comprova: solos bem manejados, ricos em compostos orgânicos, têm maior capacidade de retenção de água e sustentam melhor as lavouras durante períodos de estiagem.

Segundo Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa, “cada quilo de matéria orgânica no solo pode reter até 18 litros de água”. Esse dado, fruto de anos de pesquisa em solos brasileiros, revela o potencial do manejo orgânico como solução viável, acessível e ambientalmente responsável para enfrentar a escassez de água nas lavouras.

Em regiões como o Oeste de Santa Catarina, a utilização de resíduos orgânicos processados, como a cama de aves, já se mostra eficaz na prática. A engenheira agrônoma Luiza Borsoi, especialista em solos e compostagem, explica que esse tipo de matéria orgânica, quando corretamente tratado, contribui diretamente para o aumento da porosidade e da atividade biológica no solo. “A matéria orgânica ativa a microbiota local, alimentando os microrganismos que promovem a formação de agregados no solo. Esses agregados criam poros naturais que facilitam a infiltração da água da chuva, como se o solo se transformasse em uma verdadeira esponja”, afirma.

Esses microrganismos, além de estruturarem o solo, também exercem um papel fundamental na disponibilização de nutrientes para as plantas. “Mesmo que o solo tenha nitrogênio, fósforo e potássio, muitas vezes esses elementos estão em formas não assimiláveis. Os microrganismos fazem a conversão para formas disponíveis, aumentando a eficiência da adubação e reduzindo desperdícios”, acrescenta Borsoi.

O mestre e doutor em Manejo e Conservação do Solo e da Água, Alex Becker, reforça que a qualidade da matéria orgânica utilizada faz toda a diferença no resultado observado a campo. Ele relata que, em áreas onde o solo recebe compostos orgânicos com alto padrão de compostagem, é possível observar maior crescimento do sistema radicular das plantas — fator decisivo durante os períodos de déficit hídrico. “Plantas com maior volume de raiz conseguem acessar mais água e nutrientes. Isso faz com que se tornem mais tolerantes à seca”, ressalta.

Becker explica que essa transformação no solo ocorre graças à combinação entre compostagem eficiente e adição de ácidos orgânicos no fertilizante. “Esses ácidos estimulam enzimas dentro das plantas, aumentando a absorção de água e nutrientes. Além disso, a presença de matéria orgânica reduz a salinidade causada por alguns insumos químicos, como o cloreto de potássio, que em excesso pode prejudicar o solo e a planta”, detalha.

Além dos ganhos agronômicos, o uso da cama de aves como matéria-prima também tem forte apelo ambiental. Trata-se de um exemplo clássico de economia circular: um resíduo agropecuário que, ao invés de ser descartado inadequadamente, retorna ao sistema produtivo, contribuindo para a sustentabilidade do setor. O reaproveitamento consciente desses materiais reduz impactos ambientais, fecha ciclos produtivos e fortalece o conceito de agricultura regenerativa.

“A gente observa que nas áreas em que a gente aplica essa matéria orgânica bem compostada, mesmo em situações de estiagem, a lavoura resiste mais. Isso acontece porque a planta tem mais raiz, e raiz é como boca: quanto mais, maior a chance de buscar água e nutrientes nas camadas mais profundas do solo”, destaca Becker.

A construção de um solo mais vivo, equilibrado e resiliente não acontece da noite para o dia. Requer manejo contínuo, observação técnica e compreensão dos processos naturais. Mas os resultados, segundo os especialistas, são evidentes: produtividade estável, menor dependência de irrigação e um sistema mais harmônico entre planta, solo e clima.

Diante de um futuro incerto, em que os extremos climáticos tendem a se intensificar, apostar em práticas que fortalecem a base da produção agrícola — o solo — pode ser uma das decisões mais estratégicas para a segurança alimentar e hídrica do país. E a matéria orgânica, muitas vezes considerada apenas como resíduo, emerge como protagonista silenciosa dessa transformação.

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