O pirarucu (Arapaima gigas), um dos maiores peixes de água doce do mundo, se tornou símbolo de uma das iniciativas mais bem-sucedidas de conservação e geração de renda na Amazônia. Em 2024, o manejo sustentável desse gigante aquático completa 25 anos, celebrando não apenas a recuperação da espécie, mas também a melhoria das condições de vida das comunidades locais.
A história desse sucesso começou na década de 1990, quando o Brasil, alarmado pela pesca predatória, adotou medidas restritivas para proteger o pirarucu, culminando na proibição total da pesca em 1996. Naquele momento, a espécie estava à beira da extinção. O pirarucu foi incluído na lista da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). Porém, com a implementação do sistema de manejo sustentável, a espécie voltou a prosperar.
Segundo um estudo realizado pelo Coletivo do Pirarucu, em 31 áreas protegidas do estado do Amazonas, a população da espécie aumentou em 99% entre 2012 e 2016, com um crescimento médio anual de 19%. Além de conservar o pirarucu, essa iniciativa trouxe benefícios diretos para as comunidades locais, como o fortalecimento da organização social, redução de desigualdades, aumento da renda e maior segurança alimentar.
O papel crucial das comunidades indígenas
O povo Paumari do Tapauá e os Deni do rio Xeruã são exemplos de como o manejo sustentável do pirarucu transformou vidas e recuperou ecossistemas. Considerados “o povo das águas”, os Paumari foram pioneiros na adoção dessa prática em terras indígenas. Desde a primeira contagem da espécie em 2009, a população de pirarucus aumentou em mais de 600% em seu território.
Kamelice Paumari, coordenadora temática da Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), destaca a importância dessa transformação: “Hoje a gente tem a nossa cozinha, o nosso flutuante de pré-beneficiamento do peixe, tem nossas bases de vigilância para proteção do nosso território. A gente tem nossa riqueza e podemos proteger isso”.
A experiência dos Paumari também serviu de modelo para outros povos, como os Deni do rio Xeruã, que adotaram o manejo sustentável em 2016. Com apoio dos Paumari, os Deni conseguiram superar desafios ambientais, como a forte estiagem, e em 2023 alcançaram a maior cota de pesca sustentável em seis anos: 150 pirarucus, totalizando 9,5 toneladas de pescado.
Benefícios econômicos e sociais
O manejo sustentável do pirarucu não apenas protege a biodiversidade, mas também gera renda significativa para as comunidades envolvidas. Em 2023, os povos Paumari e Deni geraram uma receita bruta de mais de 300 mil reais com a atividade, consolidando essa prática como uma fonte de segurança alimentar e conservação florestal.
Esse modelo, apoiado pelo projeto Raízes do Purus, conduzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com patrocínio da Petrobras e do Governo Federal, é um exemplo de como aliar sustentabilidade e desenvolvimento comunitário.
A primeira iniciativa de manejo comunitário foi implementada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, em 1999, com base em estudos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Esse modelo foi posteriormente incorporado como política pública pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Ao longo dos 25 anos do manejo sustentável, o papel do Ibama e do Instituto Mamirauá tem sido fundamental. Em reconhecimento a essa contribuição, a OPAN homenageou ambas as instituições em junho de 2024, durante o encerramento do encontro de manejadores do pirarucu. A artista amazonense Lívia Rocha produziu obras exclusivas, baseadas em fotografias de Adriano Gambarini, para celebrar esse marco.
A celebração desses 25 anos vai além da recuperação de uma espécie em extinção. Como destacou a nota de homenagem, “celebramos não apenas o sucesso ecológico, mas também o fortalecimento das comunidades, a valorização do conhecimento ancestral e a união para construção coletiva de um presente e um futuro sustentável”.
Este marco mostra como a preservação ambiental pode caminhar lado a lado com o desenvolvimento humano, transformando comunidades e preservando a biodiversidade da Amazônia.