O setor de heveicultura no Brasil tem buscado, nos últimos anos, meios para garantir uma competição justa no mercado global, enfrentando desafios como a concorrência desleal e a volatilidade dos preços internacionais. Em 2019, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) firmou uma parceria com o Instituto de Economia Agrícola (IEA) para desenvolver um estudo detalhado sobre a importação de borracha natural, com o objetivo de estabelecer um parâmetro de preços. Este projeto, apoiado pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio (Fundepag), resultou no “Índice de Preço de Importação da Borracha Natural tecnicamente especificada”, que busca entender todos os aspectos da chegada desse produto ao Brasil, incluindo preço, condições de transporte e origem.
As borrachas tecnicamente especificadas (TSR) são amplamente utilizadas em diversas aplicações industriais e comerciais, sendo formuladas para atender a requisitos técnicos específicos, como resistência a produtos químicos, temperatura e abrasão. Com a introdução das TSR no Brasil, especialmente oriundas da Malásia, o setor industrial nacional se beneficiou enormemente, empregando esse material em setores como automotivo, aeroespacial e de petróleo e gás, onde suas propriedades específicas são cruciais para o desempenho e a segurança dos produtos.
De acordo com Marli Dias Mascarenhas Oliveira, pesquisadora científica aposentada do Instituto de Economia Agrícola e coordenadora do projeto inicial, a criação deste índice é vital para o planejamento das atividades agropecuárias. “Todos os agentes do setor, órgãos públicos e privados, necessitam de dados e análises de qualidade, com maior disponibilidade e periodicidade regular”, explica Marli. Assim, o desenvolvimento do índice se tornou essencial para a formação de preços no mercado interno brasileiro, especialmente para a borracha tecnicamente especificada.
O estudo realizado pelo IEA inclui uma análise abrangente dos custos de importação da borracha tecnicamente especificada. “Firmamos essa parceria para que o Instituto entendesse como essa borracha chega no Brasil, de onde vem, como vem e a que preço chega,” detalha Marli. Com base neste levantamento, foi possível criar um índice para balizar os preços praticados no mercado nacional.
Os dados fornecidos pelo estudo revelam que a borracha importada chega ao Brasil a preços variáveis conforme a origem e as condições de transporte. A borracha tecnicamente especificada, similar ao Granulado Escuro Brasileiro (GEB10) – composto 100% originário de borracha natural, extraído da seringueira amazônica – tem seus preços monitorados para garantir que o mercado interno esteja alinhado com as condições internacionais.
“O movimento para estabelecer um índice de preço justo para a borracha no Brasil é um marco significativo. A CNA, ao longo dos anos, tem trabalhado para garantir que os produtores nacionais possam competir de maneira justa no mercado global, enfrentando desafios como a concorrência desleal e a volatilidade dos preços internacionais. A parceria com o IEA é um passo importante nesse esforço contínuo, proporcionando uma base sólida de dados para a tomada de decisões econômicas no setor”, analisa a pesquisadora.
Transparência e credibilidade impulsionam adoção do estudo
Em seu quinto ano de existência, o índice tem se consolidado como uma referência essencial para os produtores e sangradores de borracha no Brasil. “A transparência é a chave deste sucesso”, afirma a pesquisadora. Ela destaca que o índice é elaborado com metodologia científica e passa pela validação de instituições de pesquisa, garantindo sua credibilidade e aceitação pelo setor, mesmo com os desafios nas negociações com as multinacionais do setor pneumático e a influência de usinas.
“O índice é uma ferramenta que auxilia na previsibilidade do produtor porque esses preços são remuneradores”, ressalta Marli. Além disso, o índice busca corrigir discrepâncias entre os preços da borracha nacional e importada, promovendo uma remuneração justa para os produtores no campo.
Projeto busca revitalizar a produção de seringueira em São Paulo
A iniciativa visa sustentar a produção de borracha no longo prazo, em meio a uma crise que impactou até mesmo o plantio de seringueira em São Paulo. “Precisamos fortalecer a importância socioambiental da cultura da seringueira, destacando seu papel na absorção de mão de obra e preservação ambiental. No entanto, a crise de preços tem levado à escassez de mão de obra, afetando a produção em períodos de safra”, explica a coordenadora do projeto. “Os preços estão tão baixos que o pessoal não quer mais trabalhar na área, pois a remuneração não é atrativa”, lamenta. Essa situação compromete não apenas a economia local, mas também os aspectos sociais e ambientais da produção de borracha.
Com 63,1% da produção nacional em 2022, São Paulo tem sentido o impacto da crise de forma mais intensa. Em 2023, o valor da produção de borracha no estado foi de R$ 1,08 milhão, número que representa uma diminuição significativa de 22,6% em relação ao ano anterior.
“Por isso, a urgência de medidas para revitalizar o setor e garantir sua sustentabilidade a longo prazo. A análise desses dados reforça a necessidade de apoio governamental e iniciativas colaborativas para enfrentar os desafios e promover o desenvolvimento sustentável da indústria da borracha no Brasil”, analisa Marli.
Da concorrência asiática e africana à sustentabilidade ambiental
Entre os principais obstáculos enfrentados pelo Brasil no setor de borracha natural se destacam a concorrência acirrada com o mercado asiático, a dependência externa de borracha e a necessidade de garantir preços justos e sustentáveis para os produtores brasileiros. “Enfrentamos uma grande concorrência com a produção asiática e africana, que muitas vezes é mais barata e não segue os mesmos padrões ambientais e sociais que temos aqui no Brasil”, explica Marli.
Nesse cenário, a produção brasileira se destaca por priorizar a recuperação de solos e oferecer condições justas e dignas para os trabalhadores. Apesar dos benefícios ambientais e sociais associados à produção nacional de borracha, Marli reconhece a necessidade de enfrentar os desafios impostos pela competição externa, com a busca por preços que garantam a sustentabilidade da cadeia produtiva e reduzam a dependência do mercado asiático.
Outro desafio é a necessidade de reconhecimento e remuneração pela qualidade da borracha brasileira, bem como pelo seu potencial de captura de carbono. Pesquisas preliminares indicam grande eficiência nesse sentido, o que pode contribuir para a valorização do produto nacional e para a mitigação dos impactos ambientais. Diante desses desafios, Marli enfatiza a importância de políticas e apoios que promovam a sustentabilidade e o crescimento da produção de coágulo (produto da planta seringueira que beneficiado dá origem à borracha tecnicamente especificada) no Brasil. “Essas medidas são essenciais para garantir a competitividade do setor, reduzir a dependência externa e promover uma produção mais justa, sustentável e alinhada com os padrões ambientais e sociais”, finaliza a pesquisadora.