O sistema de cultivo sombreado da erva-mate nas florestas de araucária do Paraná foi oficialmente reconhecido, no dia 21 de maio, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) como Patrimônio de Sistemas Agrícolas de Importância Global (GIAHS, na sigla em inglês). Trata-se de um selo concedido a práticas agrícolas sustentáveis que se destacam pela conservação da agrobiodiversidade, pelo saber tradicional e pelo equilíbrio entre produção e meio ambiente. Com a certificação, o Brasil soma agora dois reconhecimentos dessa natureza, sendo o primeiro concedido aos apanhadores de flores sempre-vivas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais.
Atualmente, apenas 95 sistemas agrícolas em 28 países detêm o título, o que reforça a singularidade do modelo paranaense. No Brasil, o Paraná lidera a produção de erva-mate, movimentando cerca de R$ 1,3 bilhão por ano e envolvendo diretamente cerca de 30 mil famílias agricultoras, conforme dados do Valor Bruto da Produção (VBP) de 2023. Destaca-se que cerca de 70% da produção estadual é feita com a técnica sombreada, uma prática milenar que se diferencia pelo uso de florestas nativas como abrigo natural da planta.
“O cultivo da erva-mate sombreada funciona em consórcio florestal, promovendo a preservação de outras espécies e respeitando a dinâmica do bioma”, explicou o engenheiro florestal Avner Paes Gomes, da área de Recursos Naturais e Sustentabilidade do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná). Segundo ele, a técnica proporciona vantagens químicas e nutricionais ao produto, como maior presença de taurina e teobromina, compostos com alto valor agregado em setores como o de chás, cosméticos e energéticos.
Mais do que atributos químicos, o reconhecimento da FAO valoriza a história de um sistema construído com base nos saberes de comunidades indígenas e tradicionais da região Centro-Sul do Estado. Esses grupos foram os primeiros a entender a dinâmica da floresta e adaptar o cultivo da planta às condições locais. Por causa da topografia acidentada da região, a agricultura convencional não se desenvolveu com a mesma força, o que tornou a erva-mate uma fonte essencial de renda para milhares de famílias.
“Esse reconhecimento tem um peso histórico e cultural. Ele preserva um modo de vida e incentiva a continuidade de práticas sustentáveis que vêm sendo transmitidas de geração em geração”, destaca Avner. O sistema, além de produtivo, é símbolo de resistência cultural e de economia florestal sustentável.
Junto ao reconhecimento do Paraná, outros cinco sistemas agrícolas também foram incluídos na lista mundial: o sistema ancestral Metempantle, de Tlaxcala, no México; o cultivo agrícola nas areias vulcânicas da Ilha de Lanzarote, na Espanha; e três sistemas chineses — entre eles, o cultivo de chá branco de Fujian e os pomares antigos de Gansu.
A FAO ressalta que os sistemas reconhecidos representam exemplos vivos de “harmonia entre o ser humano e a natureza, desenvolvidos ao longo de séculos”. Em comum, todos valorizam os saberes tradicionais, o uso sustentável dos recursos naturais e a resiliência diante de mudanças ambientais.
No Paraná, o IDR atua diretamente no fortalecimento técnico das famílias que adotam o modelo sombreado. São oferecidas orientações em diversas etapas do processo, desde a seleção de mudas até o manejo de pragas. As ações de extensão rural têm permitido o aperfeiçoamento da produção, com respeito ao meio ambiente e aos ciclos naturais da floresta.
A partir de 2017, a tradição e a identidade territorial da erva-mate de São Mateus do Sul, no Sul do Estado, foram reconhecidas por meio da Indicação Geográfica (IG) concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A certificação resultou de anos de estudos e articulações de produtores e pesquisadores para comprovar o vínculo entre a planta e o território.
A conquista do selo da FAO se soma a outras iniciativas que posicionam o Paraná como referência em sustentabilidade. Em 2024, o Estado foi apontado como o mais sustentável do país, segundo o Ranking de Competitividade dos Estados, desenvolvido pelo Centro de Liderança Pública (CLP). O desempenho foi alavancado por indicadores como a redução de 64% no desmatamento ilegal da Mata Atlântica (2023–2024), a ampliação de 13% nas áreas de matas ciliares e o fortalecimento de ações como coleta seletiva, destinação correta de resíduos e proteção de nascentes.
“Esse título internacional chega em um momento crucial, pois amplia a visibilidade de sistemas sustentáveis e valoriza o protagonismo das famílias rurais”, reforça Avner Gomes. Ele destaca que o reconhecimento pode contribuir para novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de políticas públicas voltadas à valorização dos territórios produtivos tradicionais.
Mais do que uma premiação, o selo da FAO representa um compromisso com a preservação da agrobiodiversidade e a valorização dos modos de vida que sustentam o equilíbrio ecológico e social. O sistema de cultivo sombreado da erva-mate no Paraná é, agora, um patrimônio do mundo.