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SAÚDE HUMANA E A FAUNA

ENTRE O CAMPO E A CIDADE: A CONEXÃO INVISÍVEL ENTRE A SAÚDE HUMANA E OS ANIMAIS

Especialistas reforçam o papel estratégico da medicina veterinária na prevenção de pandemias e apontam riscos iminentes ligados ao desequilíbrio ambiental e à falta de vigilância integrada
A gripe aviária, uma das zoonoses mais conhecidas, é um exemplo claro de como doenças transmitidas por animais podem se espalhar rapidamente entre humanos. Monitoramento constante e vigilância veterinária são essenciais para prevenir surtos. Foto: Divulgação.

A próxima pandemia pode não estar nos aeroportos, mas nas florestas. E o seu ponto de partida pode não ser um humano doente, mas um animal silvestre infectado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 75% das doenças infecciosas emergentes em humanos têm origem animal, reforçando a importância de um olhar ampliado e integrado sobre saúde pública. O dado é alarmante e vem sendo reiterado por autoridades sanitárias de diferentes países, incluindo a Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA), que destaca o papel das zoonoses — doenças transmitidas entre animais e humanos — como protagonistas de surtos e pandemias.

Entre os exemplos mais conhecidos estão gripe aviária, ebola, raiva e febre amarela, doenças que emergiram de contextos ambientais e interações entre seres humanos e animais. Em comum, todas têm raízes na relação com a fauna, em muitos casos silvestre, e todas se beneficiariam de políticas mais eficazes de prevenção, monitoramento e integração entre setores.

Para a Dra. Greyce Lousana, médica veterinária e presidente executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais de Pesquisa Clínica, a realidade exige urgência. “Enquanto a Medicina Humana atua no tratamento e cura de doentes, a Medicina Veterinária é o pilar que pode evitar o surgimento de novas epidemias”, alerta. “Não basta ter vacinas. Precisamos de vigilância constante dos habitats onde os vírus estão circulando. Se não houver interação entre os profissionais de saúde humana, animal e ambiental, o futuro da humanidade será cada vez mais caótico.”

A visão defendida pela especialista é fundamentada no conceito de Saúde Única (One Health), abordagem reconhecida globalmente que integra ações de saúde humana, animal e ambiental como partes interdependentes de um mesmo ecossistema. Neste modelo, veterinários não são apenas cuidadores de animais, mas agentes de saúde pública estratégica, com papel decisivo na contenção de epidemias antes mesmo de chegarem aos humanos.

Mosquito Aedes aegypti. Foto: Divulgação

Um exemplo didático é a febre amarela, que possui dois ciclos de transmissão distintos. No ciclo urbano, a infecção é propagada pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e zika. No ciclo silvestre, os principais transmissores são mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que habitam matas e regiões de floresta. Quando há desequilíbrio ambiental ou desmatamento, o contato entre humanos e vetores aumenta, facilitando a transição do vírus para áreas urbanas. A vigilância desse ciclo natural, que ocorre entre primatas não humanos e insetos, é um dos focos da atuação da medicina veterinária preventiva.

Além da questão sanitária, há um componente geopolítico preocupante: mais de 80% dos agentes biológicos com potencial para uso como armas de bioterrorismo são zoonóticos, segundo dados da OMS. Isso reforça a necessidade de mecanismos internacionais de monitoramento, segurança e resposta rápida frente a surtos zoonóticos.

No Brasil, esforços vêm sendo articulados entre diferentes ministérios, como o da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente, além de secretarias estaduais e municipais. A criação de normas específicas para vigilância, biossegurança e respostas rápidas em situações de risco tem evoluído, mas ainda carece de integração e capilaridade, especialmente nas regiões mais próximas de áreas de floresta e biodiversidade densa.

Dra. Greyce Lousana-SBPPC. Foto: Divulgação SBPPC.

“A prevenção de uma nova pandemia não se resume ao desenvolvimento de imunizantes. É preciso mapear onde estão os riscos, quais espécies representam reservatórios naturais de vírus e como as alterações ambientais estão influenciando a propagação de doenças”, reforça Dra. Greyce. Para ela, o trabalho de campo dos profissionais da saúde veterinária precisa ser melhor reconhecido e incluído nas estratégias nacionais e internacionais de saúde pública.

O futuro da saúde global está, cada vez mais, nas mãos daqueles que entendem o ambiente como uma rede de conexões invisíveis, onde qualquer desequilíbrio ecológico pode se transformar em uma crise sanitária mundial. Reconhecer o papel da medicina veterinária como ferramenta estratégica de prevenção é, portanto, um passo essencial para a construção de políticas eficazes, sustentáveis e orientadas ao bem coletivo.

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