A produção nacional de cacau atravessa um momento crítico. Entre janeiro e março de 2025, o Brasil coletou apenas 17.758 toneladas de amêndoas, número que representa uma retração de 67% em relação ao último trimestre de 2024, quando foram registradas 54.435 toneladas. A comparação com o mesmo período de 2024 também revela queda: naquele ano, o primeiro trimestre havia somado 18.700 toneladas, configurando uma redução de 5%. Os dados, divulgados pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) com base em levantamento do SindiDados – Campos Consultores, apontam o segundo menor resultado para o período em cinco anos.
“A queda tão acentuada na virada do ano evidencia a forte sazonalidade da colheita e, sobretudo, a dificuldade de sustentação da produção nacional frente à demanda da indústria no mesmo período”, afirma Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC.
A escassez de matéria-prima afetou diretamente a mobilidade da indústria, que processou 52.135 toneladas de cacau no primeiro trimestre de 2025 — uma retração de 13% frente ao mesmo período do ano anterior, quando foram moídas 59.942 toneladas. Em relação ao quarto trimestre de 2024 (59.589 t), a queda foi de pouco mais de 12%. Ainda assim, o volume processado foi quase três vezes superior ao cacau de origem nacional recebido no período, revelando um déficit interno de 34.377 toneladas.
A necessidade de suprimento levou à intensificação das importações. O Brasil importou 19.491 toneladas de amêndoas no período, um aumento de 30% em relação ao primeiro trimestre de 2024, que havia registrado 15.015 toneladas. Mesmo com esse reforço, o total disponível — entre coleta nacional e importações — ainda não foi suficiente para atender à demanda industrial, gerando um déficit de cerca de 14.886 toneladas.
“Mesmo com a importação, o volume adquirido no primeiro trimestre não alcançou o volume industrializado para atender o mercado interno e os clientes internacionais. Isso reforça o papel das importações como mecanismo de liquidez em períodos de baixa produção interna e evidencia a dependência da indústria brasileira em relação ao fornecimento externo”, avalia Anna Paula Losi.

Regionalização da oferta: Bahia lidera, Espírito Santo surpreende
Entre os estados produtores, a Bahia manteve a liderança, com 11.671 toneladas colhidas no trimestre — representando 65% da oferta nacional. Em relação ao mesmo período de 2024, houve estabilidade (11.423 t), mas na comparação com o último trimestre do ano anterior, a queda foi de 73%, comportamento esperado para esse ciclo.
O Pará, segundo maior produtor, registrou forte retração: 4.223 toneladas no trimestre, queda de quase 28% em relação ao primeiro trimestre de 2024, e de 51% comparado ao quarto trimestre do mesmo ano. O estado representou cerca de 24% da produção nacional.
O Espírito Santo foi destaque positivo: colheu 1.743 toneladas e cresceu quase 37% em relação ao mesmo período de 2024. O estado alcançou o maior volume da sua série histórica recente, sendo responsável por quase 10% da produção total no trimestre.
Em contrapartida, Rondônia colheu apenas 119 toneladas — representando menos de 1% da produção nacional. O número é inferior às 156 toneladas registradas no mesmo intervalo de 2024, configurando queda de quase 24%.
Comércio internacional em retração
Os números da balança comercial também indicam desaquecimento. As exportações de cacau in natura caíram expressivamente, com apenas 30 toneladas embarcadas entre janeiro e março de 2025 — frente às 87 toneladas no mesmo período do ano anterior, uma queda de 65%.
O mercado de derivados também retraiu. As exportações de derivados de cacau caíram de 9.558 toneladas no primeiro trimestre de 2024 para 9.287 toneladas em 2025 — recuo de 2,8%. Já os ganhos com a industrialização de cacau somaram 7.633 toneladas no trimestre, uma queda de 25,1% em relação às 10.190 toneladas do mesmo período de 2024.
Impactos globais: escassez na África e estoques no limite
Uma análise do cenário internacional ajuda a contextualizar a situação brasileira. De acordo com estudo da consultoria StoneX, solicitado pela AIPC, o mercado global de cacau enfrenta uma sequência de déficits desde o ciclo 2021/22. O colapso da safra 2023/24 nos dois principais produtores mundiais — Costa do Marfim e Gana — acentuou a crise. Os países africanos registraram quedas produtivas de 25,3% e 18,9%, respectivamente, levando a um déficit global superior a 460 mil toneladas.
Segundo os economistas Lucca Bezzon e Rafael Borges, responsáveis pelo levantamento, os estoques globais recuaram para 1.327 mil toneladas, o menor nível em mais de 50 anos, com relação estoque-demanda de apenas 27,2%. O desequilíbrio entre oferta e demanda tem mantido os preços elevados e voláteis, com oscilações sensíveis a fatores como clima e atividade econômica global.
A perspectiva de superávit para 2024/25 — estimado em 142 mil toneladas pela ICCO — contrasta com o histórico recente de escassez. A StoneX, por sua vez, projeta um superávit mais modesto, de 41 mil toneladas, em razão de uma possível retomada da demanda. No entanto, as incertezas econômicas globais ainda limitam a recuperação.

Perspectivas
Diante desse cenário, o mercado de cacau brasileiro segue pressionado pela baixa oferta interna, alta dependência de importações e instabilidade do comércio internacional. A resiliência do setor dependerá da recuperação da produção doméstica, de estratégias de gestão de estoques e da capacidade da indústria em adaptar-se aos desafios climáticos e logísticos do cenário global.