O reconhecimento da tradição cafeeira do norte do Paraná acaba de ganhar um marco histórico. O “Café de Mandaguari” acaba de conquistar a Denominação de Origem (DO), uma categoria da Indicação Geográfica (IG) concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A conquista, que envolve seis municípios da região, Apucarana, Arapongas, Cambira, Jandaia do Sul, Mandaguari e Marialva, representa muito mais do que uma chancela oficial: trata-se de um resgate cultural e de uma valorização da agricultura familiar local.
Com a certificação, o Paraná passa a contar com 20 produtos reconhecidos com Indicação Geográfica, sendo este o 19º café brasileiro a receber tal distinção. No total, já são 137 IGs registradas em todo o Brasil, segundo o INPI.
O presidente da Associação dos Produtores de Café de Mandaguari (Cafeman), Roberto Rosseto, destaca que o reconhecimento valoriza o território, gera pertencimento e ajuda a rejuvenescer o campo:
“Isso ajuda a fazer o produtor se envolver mais na cultura. Faz com que o filho do produtor fique na atividade, fique na agricultura. Não precise ir para uma grande empresa ou cidade, mas permaneça e tenha uma renda, uma sustentabilidade dentro da propriedade”, ressalta Rosseto.
A trajetória da conquista da IG começou em fevereiro de 2022, com o início de um trabalho de mobilização liderado por entidades técnicas, como o Sebrae/PR, que promoveram encontros e sensibilização junto aos produtores locais. A DO é um dos níveis mais rigorosos de certificação de origem, reconhecendo não apenas a procedência geográfica, mas também a qualidade única resultante do meio ambiente local e do saber fazer tradicional.
Caráter sensorial e diferenciais do terroir
Os cafés produzidos na região de Mandaguari apresentam características sensoriais marcantes, segundo especialistas e produtores. Os grãos da região carregam notas cítricas e frutadas, com variações que vão do chocolate às frutas vermelhas e amarelas. Um dos fatores que explicam esse perfil está na microbiota única do solo local. Bactérias naturais das lavouras não consomem o açúcar do grão, mantendo o dulçor natural da bebida, sem interferir nos demais atributos sensoriais.
“É um café mais suave, mais agradável do que o de outras regiões cafeeiras, por isso tivemos a denominação de origem”, explica Rosseto, que está à frente de uma tradição familiar de mais de sete décadas no cultivo de café em Mandaguari.
Esse perfil sensorial diferenciado é uma das razões pelas quais o café da região se destacou em análises e degustações técnicas, abrindo espaço para a consolidação da identidade produtiva paranaense no mapa nacional do café especial.
Participação das comunidades e fortalecimento local
De acordo com Hulda Giesbrecht, coordenadora de Tecnologias Portadoras de Futuro do Sebrae/PR, a certificação vai além da chancela técnica. Ela representa um motor de desenvolvimento regional:
“A IG estimula o envolvimento de lideranças locais, produtores, agricultores e associações em preservar esse patrimônio, além de abrir mercados dentro e fora do Brasil”, afirma.
Segundo ela, as Indicações Geográficas atuam como ferramentas de proteção coletiva, conferindo ao produto autenticidade, padrão de qualidade e valorização sociocultural do território.
A metodologia das IGs exige que haja uma área de produção claramente definida, além de regras específicas de manejo e beneficiamento, o que garante uniformidade e consistência no produto final. Isso estimula boas práticas agrícolas, a organização de cadeias produtivas locais e a criação de uma identidade coletiva entre os produtores.
O Paraná no mapa da qualidade com identidade
Com essa nova certificação, o Paraná soma 20 produtos com IG, entre os quais se destacam alimentos e bebidas que expressam a diversidade e o potencial do estado. Entre eles estão o mel de Ortigueira, os queijos coloniais de Witmarsum, o melado de Capanema, o vinho de Bituruna, a erva-mate de São Matheus e a goiaba de Carlópolis. Também figuram na lista itens como a bala de banana de Antonina, o barreado do litoral paranaense, a camomila de Mandirituba e a tradicional carne de onça de Curitiba.
Para Fernando, um dos produtores envolvidos no processo, a certificação do café ajuda a reposicionar o estado no cenário nacional: “O mercado do café olha muito para Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, as maiores regiões produtoras de café. E, com isso, o Paraná ficou um pouco afastado. A Indicação Geográfica traz um novo olhar para dentro do Paraná, ainda mais com a Denominação de Origem, que é muito importante para o café.”
IG como estratégia de desenvolvimento rural
Mais do que marketing territorial, a Indicação Geográfica é uma estratégia de desenvolvimento sustentável, que combina tradição, inovação e identidade. Ela fortalece a permanência de famílias no campo, estimula jovens produtores a manterem a atividade e protege saberes locais que seriam esquecidos sem esse tipo de política pública.
Cada DO registrada é um passo na direção de um agro brasileiro mais reconhecido por sua diversidade e excelência, valorizando o que há de mais autêntico em cada região: o saber de quem planta, colhe e cuida da terra com dedicação e história.