Nos últimos dois anos, a cadeia de laticínios no Brasil passou por uma transformação silenciosa, mas profunda. Segundo levantamento exclusivo da Equus Capital, o comércio varejista de laticínios e frios registrou a maior taxa de fechamento de empresas em 2024: uma redução líquida de 26,6% no número de estabelecimentos, totalizando 7.603 unidades encerradas no período. O dado evidencia não apenas a vulnerabilidade dos pequenos negócios no setor, mas também uma mudança estrutural na forma como os produtos chegam ao consumidor final.
Esse movimento de retração no varejo especializado que inclui lojas de frios, laticínios e pequenos mercados de bairro expõe desafios históricos que se acentuaram em um cenário de margens apertadas, pressão regulatória e maior competição com grandes redes e atacarejos. “A maior fragilidade está nas pontas menos estruturadas da cadeia, principalmente entre os pequenos varejistas, que têm menor poder de negociação e menor acesso a soluções logísticas modernas”, avalia Felipe Vasconcellos, economista.
A pesquisa segmentou o desempenho do setor com base na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), revelando um recorte detalhado da cadeia produtiva em três grandes elos: indústria de laticínios, comércio atacadista e varejo especializado.
Na indústria de laticínios, o cenário também foi desafiador. Houve uma taxa de fechamento de 21,5%, com o encerramento de 1.334 estabelecimentos que atuavam desde a preparação do leite até a fabricação de queijos, iogurtes e requeijões. A combinação de altos custos operacionais, exigências sanitárias rigorosas e crescente demanda por inovação tem impactado diretamente a sustentabilidade das empresas. “O setor exige hoje um nível muito maior de preparo. Quem não tiver uma operação bem estruturada e capacidade de investir dificilmente conseguirá competir”, destaca Vasconcellos.
O comércio atacadista de leite e derivados, embora menos atingido, também sentiu os efeitos da reconfiguração da cadeia. A taxa de fechamento foi de 13,7%, com 187 empresas encerrando atividades. Neste elo, o desafio principal está na logística: manter a qualidade do produto, garantir entrega em tempo hábil e operar com eficiência em um mercado cada vez mais concentrado. “A competitividade logística passou a ser o principal fator de sobrevivência no atacado. Empresas que não acompanham esse ritmo acabam perdendo mercado”, observa o analista.
Já o subsetor técnico de preparação do leite, que opera em escala menor e com maior exigência de adequações sanitárias, teve uma taxa de fechamento de 13,2%, com 38 encerramentos. A alta complexidade operacional e os custos para adequação às normas regulatórias foram apontados como os principais entraves.
Apesar do cenário adverso, a análise da Equus Capital revela também sinais de recuperação e reorganização. Os segmentos industrial e atacadista mostram crescimento líquido, impulsionados por investimentos em logística, tecnologia de gestão e estratégias de consolidação regional. Há um movimento estratégico de descentralização, com empresas saindo de grandes centros urbanos e reposicionando operações em regiões interioranas, buscando eficiência e menor custo operacional.
“Estamos observando uma consolidação no setor, com muitas empresas reavaliando onde operar e como operar. Essa reorganização pode ser saudável a longo prazo, desde que haja preparo técnico, gestão eficiente e foco em inovação”, destaca Vasconcellos.
A pesquisa aponta que o futuro da cadeia depende da capacidade de adaptação das empresas às novas exigências do mercado: regulação sanitária rigorosa, margens cada vez mais comprimidas e necessidade de ganhos logísticos constantes. “Não há mais espaço para improviso. O setor está se tornando cada vez mais técnico e menos tolerante a ineficiências”, reforça o especialista.
Neste contexto, o mercado de laticínios deixa de ser exclusivamente tradicional e passa a exigir profissionalização, inovação e visão estratégica. O fechamento recorde no varejo não representa apenas uma crise pontual, mas sim um sinal claro de transição em uma das cadeias agroindustriais mais tradicionais do país.