O Brasil se consolidou como o maior exportador mundial de algodão em pluma, mas, junto com esse protagonismo, carrega uma série de desafios que refletem diretamente no manejo de pragas. Diferentemente de países como Estados Unidos e Austrália, onde o ciclo produtivo é marcado por períodos de interrupção natural das lavouras, a agricultura tropical brasileira convive com um ambiente de alta pressão de insetos durante todo o ano. Para especialistas, a resposta está em avançar no Manejo Integrado de Pragas (MIP) adaptado às condições locais, capaz de garantir resiliência e sustentabilidade à cotonicultura.
“O algodão no Brasil atua como hospedeiro de pragas que também afetam soja e milho, o que torna o manejo mais complexo. Na Austrália, por exemplo, o MIP é centrado no algodão, principal cultura agrícola, e conta com colaboração de toda a cadeia. Já nos Estados Unidos, o inverno em diversos estados interrompe o ciclo de desenvolvimento de insetos”, explica Celso Omoto, professor do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP.
Segundo ele, a prática de plantios sucessivos também amplia os riscos. “Essa continuidade serve como fonte permanente de alimento para pragas, impedindo o restabelecimento do equilíbrio natural do sistema produtivo”, acrescenta.
Diferenças entre Brasil, EUA e Austrália
Em visita recente ao Brasil, Dominic Reisig, professor da Universidade Estadual da Carolina do Norte (EUA) e doutor em Proteção de Plantas e Entomologia, destacou que a alternância de culturas e a disponibilidade de hospedeiros durante todo o ano tornam o manejo de lavouras Bt mais difícil no país.
“O que vi foi uma lavoura de algodão impressionante, mas com altíssimo uso de insumos. Uma das grandes dificuldades é o bicudo-do-algodoeiro, praticamente erradicado nos Estados Unidos e ausente na Austrália. Embora esteja sob controle, ele ainda domina o manejo de pragas no Brasil. Isso dificulta que outras pragas recebam a devida atenção”, afirmou.
Bicudo-do-algodoeiro: inimigo histórico
Considerado um dos principais desafios da cotonicultura nacional, o bicudo-do-algodoeiro é uma praga que exige atenção permanente e tem impacto direto no uso de defensivos químicos. Sua presença coloca o Brasil em uma posição distinta de outros países produtores, que já não convivem com a mesma pressão.
Manejo integrado e áreas de refúgio
Para especialistas, políticas públicas e práticas coletivas são fundamentais para fortalecer o MIP. “É urgente aumentar a fiscalização da destruição de restos culturais, implementar de forma efetiva programas de Manejo Integrado de Pragas e tornar obrigatória a adoção de áreas de refúgio para preservar a eficácia das tecnologias Bt”, ressalta Celso Omoto.
As áreas de refúgio já fazem parte da realidade dos produtores brasileiros. A técnica consiste em reservar parte da lavoura, cerca de 20% com sementes convencionais, localizadas próximas à área com biotecnologia (até 800 metros), criando um ambiente que reduz a seleção de insetos resistentes.
De acordo com especialistas, essa prática contribui para prolongar a durabilidade das soluções genéticas utilizadas na cotonicultura e, ao mesmo tempo, reforça a sustentabilidade da produção.
Caminhos para a sustentabilidade
A adoção de estratégias diversificadas de manejo, aliada à pesquisa científica e a políticas públicas mais rigorosas, aparece como caminho central para equilibrar produtividade e sustentabilidade. O desafio brasileiro, segundo os pesquisadores, é justamente adaptar modelos de manejo internacionais às particularidades da agricultura tropical, sem perder de vista o protagonismo do país no mercado global.
“O Brasil tem uma posição única e de destaque na cotonicultura mundial, mas precisa enfrentar de maneira coordenada e científica os obstáculos impostos pelo seu próprio ambiente agrícola”, resume Dominic Reisig.