O Brasil lidera com folga o ranking mundial de rebanho bovino comercial. São mais de 234 milhões de cabeças, segundo dados do IBGE (2023), número que posiciona o país também como maior exportador de carne bovina e terceiro maior produtor de leite do planeta. Apesar desse protagonismo em escala, a produtividade por animal e por hectare ainda apresenta resultados aquém do potencial. O que falta, então, para transformar volume em eficiência?
Para especialistas, a resposta está no trinômio: biotecnologia, genética e bem-estar animal. “O setor precisa olhar para o avanço tecnológico não apenas como um incremento de produção, mas como uma mudança de paradigma”, afirma Karina Rubin, especialista em biotecnologia de reprodução pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Segundo ela, a aplicação estratégica de inovações no manejo reprodutivo não só melhora os índices zootécnicos, como amplia a qualidade dos produtos e reduz impactos ambientais. “Quando bem utilizadas, as biotecnologias promovem um sistema de produção mais eficiente e ético, com melhor aproveitamento de recursos naturais como solo e água, além de menor emissão de gases do efeito estufa”, pontua.
Entre as ferramentas biotecnológicas em destaque estão técnicas como inseminação artificial em tempo fixo (IATF), transferência de embriões, edição genômica e seleção genômica de precisão. Essas práticas vêm sendo aplicadas em rebanhos de corte e leite em diferentes regiões do país, com resultados concretos na melhoria do desempenho reprodutivo e na resistência a doenças.
“A seleção genética avançada, por exemplo, acelera significativamente a evolução dos rebanhos. Quando associada a uma nutrição adequada e ao controle de estresse, os ganhos são consistentes: animais mais saudáveis, partos mais eficientes e produtos com maior valor nutricional”, explica Karina Rubin. Para ela, o mercado já não tolera práticas que desconsiderem o bem-estar animal. “Hoje, integrar tecnologia e respeito ao animal não é apenas um diferencial: é uma exigência global”, reforça.
Na prática, essa revolução no campo tem sido percebida por produtores atentos às mudanças. Marisa Saad, produtora rural e administradora dos negócios da família, defende a adoção dessas soluções como fator-chave de sustentabilidade. “O uso das tecnologias reprodutivas e a preocupação com o bem-estar dos animais ainda são pouco explorados no Brasil, especialmente em pequenas e médias propriedades. Mas são esses fatores que permitem à produção alcançar novos patamares de qualidade e rentabilidade”, avalia.
A perspectiva de longo prazo também é destacada por Marisa. “Não se trata apenas de atender exigências de mercado, mas de construir um modelo de pecuária mais consciente, com foco em longevidade dos rebanhos, qualidade genética e responsabilidade socioambiental. Isso traz resultados reais tanto na produtividade quanto na imagem do produtor diante dos consumidores”, acrescenta.
Além das questões internas, o Brasil também precisa se posicionar estrategicamente frente à concorrência internacional. De acordo com relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), países que adotam rapidamente soluções biotecnológicas em pecuária aumentam em média 18% sua eficiência produtiva em cinco anos. A mesma projeção indica que o uso combinado de tecnologias e práticas sustentáveis pode reduzir em até 25% as emissões de carbono da pecuária.
Nesse cenário, investir em ciência e inovação aplicada à pecuária não é apenas desejável — é essencial para manter a competitividade e atender às exigências dos mercados mais exigentes, como a União Europeia e países asiáticos. O Brasil, que já possui know-how técnico e recursos naturais abundantes, precisa agora consolidar políticas públicas e programas de incentivo que ampliem o acesso a essas soluções, sobretudo para pequenos e médios produtores.
A mensagem é clara: produtividade, qualidade e sustentabilidade andam juntas — e a biotecnologia, aliada ao bem-estar animal, é o elo que pode transformar a pecuária nacional de um gigante em números para um gigante em eficiência.