A agricultura brasileira vive um momento de transformação silenciosa, mas profunda, quando o assunto é armazenagem de grãos. Nos últimos treze anos, o campo assistiu a um avanço expressivo na estrutura de estocagem dentro das próprias fazendas. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre 2010 e 2023, a capacidade instalada nas propriedades rurais aumentou 72%, chegando a 35,6 milhões de toneladas.
O número reflete o esforço dos produtores em conquistar autonomia logística, reduzir custos com transporte e evitar filas em armazéns de terceiros, especialmente durante os picos de colheita. Mas, apesar do salto quantitativo, a gestão eficiente desses silos ainda é um gargalo técnico que ameaça a rentabilidade da produção.
De acordo com Roberto Melles, especialista em desenvolvimento de produtos e gestão agrícola, o avanço estrutural precisa vir acompanhado de controle e monitoramento constantes. “Não se trata apenas de armazenar, mas de proteger o que foi produzido com o mesmo nível de cuidado aplicado no plantio”, destaca.
Ele explica que as perdas invisíveis, causadas por infestações, variações de temperatura, umidade excessiva ou desvios, continuam sendo uma realidade em muitas regiões. Segundo dados técnicos de instituições de pesquisa do setor, a perda média de grãos por falhas na armazenagem pode variar entre 2% e 10% da produção, dependendo do tipo de cultura e do nível de controle adotado.
Essa variação representa uma diferença expressiva em safras recordes como as brasileiras, que superam 320 milhões de toneladas de grãos, segundo a Conab. “Se considerarmos apenas 3% de perda sobre esse volume, são quase 10 milhões de toneladas desperdiçadas, o suficiente para abastecer milhões de famílias durante meses”, exemplifica Melles.
Por isso, o monitoramento dos silos deixou de ser apenas uma questão operacional e passou a integrar o planejamento estratégico da fazenda. Ferramentas que coletam dados em tempo real, como temperatura, umidade e volume armazenado, permitem ao produtor detectar e corrigir anomalias antes que o prejuízo se consolide.
Além do controle físico, os relatórios analíticos e históricos de consumo oferecem uma visão mais ampla do comportamento dos estoques, permitindo prever demandas, reduzir desperdícios e identificar padrões sazonais. Essa leitura é essencial em tempos de margens apertadas, custos de produção elevados e instabilidade de preços.
De acordo com Melles, essa nova abordagem representa um amadurecimento tecnológico no campo, compatível com os avanços da chamada agricultura 4.0, marcada pelo uso de sensores, drones, satélites e inteligência de dados. “A gestão de silos é uma questão estratégica na operação agrícola. Quem controla o silo, controla o negócio”, reforça.
Outro ponto importante é a escalabilidade dessas soluções, que vêm sendo adaptadas para propriedades de diferentes portes. Pequenos e médios produtores, que antes viam a automação como algo distante, começam a adotar práticas mais simples de gestão digital, favorecendo o uso racional dos recursos e o aumento da eficiência no pós-colheita.
Especialistas apontam que, nos próximos anos, a tendência é que a gestão de armazenagem se torne um dos pilares da sustentabilidade econômica e ambiental do agro brasileiro. Além de reduzir perdas, a prática contribui para diminuir o desperdício de alimentos, otimizar energia e melhorar o planejamento logístico das cadeias produtivas.
O avanço tecnológico, portanto, não substitui o olhar humano, mas o amplia. Ele fornece dados que transformam a intuição em decisão estratégica, fortalecendo a autonomia do produtor rural e consolidando o campo brasileiro como referência mundial em eficiência e inovação.
