A relação entre agricultura e apicultura vai muito além da simples coexistência territorial. Embora sejam atividades distintas, ambas se beneficiam diretamente quando convivem de forma planejada e harmoniosa. A presença de abelhas em áreas agrícolas pode contribuir com um aumento expressivo na produtividade de determinadas culturas, especialmente pela polinização natural que elas promovem. No entanto, essa integração exige cuidados técnicos e planejamento criterioso, principalmente em relação ao uso de defensivos agrícolas, que podem impactar negativamente a saúde das colmeias quando aplicados de forma incorreta.
Com base nessa interdependência entre os sistemas de produção, o Plano Nacional de Boas Práticas Agricultura-Apicultura, desenvolvido dentro do escopo do Programa Colmeia Viva, propõe um novo modelo de convivência. A proposta técnica está estruturada em quatro materiais informativos, dois manuais e dois guias de bolso, elaborados com o apoio de pesquisadores, especialistas, apicultores e agricultores de diversas regiões do país.
De acordo com a bióloga Isabela Rivato, analista de Uso Correto e Seguro, o objetivo do plano é prevenir a mortalidade de abelhas e mitigar riscos operacionais no campo. “Esses materiais gratuitos foram elaborados com base em contribuições de acadêmicos, produtores e especialistas. Eles oferecem orientações técnicas, atualizadas e integradas, com foco na promoção de uma agricultura mais sustentável e na preservação das abelhas”, destaca.
O Manual de Boas Práticas Agrícolas reúne informações fundamentais para que o agricultor conduza suas lavouras de maneira eficiente e segura, considerando o uso correto de defensivos, a escolha do momento certo para aplicação e o respeito às faixas de segurança. O documento também orienta quanto aos fatores climáticos, como velocidade do vento e umidade relativa do ar, que devem ser monitorados antes de qualquer pulverização.
Já o Manual de Boas Práticas Apícolas é voltado ao apicultor e aborda aspectos técnicos da manutenção das colônias. Entre os tópicos destacados estão o monitoramento da saúde das abelhas, a suplementação alimentar durante períodos críticos e a distância mínima das colmeias em relação às áreas tratadas com defensivos. “É essencial entender que a segurança das colmeias depende tanto da atuação dos apicultores quanto dos cuidados tomados pelos agricultores. A corresponsabilidade é a chave”, ressalta Isabela.
Os guias de bolso, versões resumidas e práticas dos manuais, foram pensados para facilitar o uso no dia a dia das atividades rurais. Com linguagem direta e ilustrações simplificadas, os materiais trazem tabelas comparativas, instruções operacionais e orientações rápidas que ajudam na tomada de decisão durante o trabalho de campo. Uma das mensagens centrais do plano é a importância do diálogo prévio entre apicultores e agricultores, promovendo um planejamento coordenado e transparente.
“A proposta é fornecer ferramentas técnicas que possam ser aplicadas na rotina do campo, respeitando as particularidades de cada atividade. O conteúdo está alinhado às necessidades reais dos produtores e busca promover a convivência segura entre os diferentes sistemas de produção”, complementa a analista.
Todos os materiais reforçam o compromisso com o uso seguro e legal dos defensivos agrícolas, baseando-se em recomendações técnicas e na receita agronômica obrigatória. A iniciativa propõe a construção de uma cultura de corresponsabilidade entre os agentes do campo, evitando improvisações que podem gerar incidentes ambientais e prejuízos produtivos.
Estudos demonstram que culturas como melão, maçã, soja, café e diversas hortaliças dependem em diferentes níveis da polinização por insetos. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 75% das culturas agrícolas destinadas à alimentação humana dependem, pelo menos em parte, da polinização animal, principalmente de abelhas. Essa relação direta evidencia o papel essencial desses insetos na segurança alimentar e reforça a urgência de práticas integradas de produção.
“O setor agrícola reconhece seu papel na proteção das abelhas e na construção de um modelo de produção mais equilibrado. A missão é garantir produtividade e segurança alimentar sem comprometer a apicultura”, afirma Isabela. “Essa convivência deve ser planejada e baseada no diálogo, para evitar conflitos e garantir a segurança de todos”, finaliza.
Ao incentivar práticas técnicas e o respeito mútuo entre atividades produtivas, o plano nacional mostra que é possível aumentar a eficiência agrícola sem comprometer a saúde ambiental. A convivência entre apicultura e agricultura, longe de ser um desafio, torna-se uma oportunidade para construir uma nova lógica de produção sustentável.